segunda-feira, 21 de novembro de 2016

NOSSA MÚSICA

Quando pensamos que a vida é eterna, a morte não é o fim. Ela é uma pausa. E pausas não põem término a nada, são simplesmente intervalos. Como a própria palavra indica, uma pausa apenas separa duas coisas iguais, de modo que, depois da pausa, sucede o retorno do estado anterior. E é assim que vejo a partida do meu filho. Nosso vínculo não se desfez. Ocorre, porém, que, como em qualquer vínculo, existem momentos de maior proximidade, e outros em que nos distanciamos da pessoa sem, no entanto, perder a vinculação com ela. Se fôssemos obrigados a ficar grudados, não seria vínculo, mas prisão. Vínculo pressupõe liberdade, elasticidade, adaptação.

Dessa forma, assim como os sons podem ser intercalados com as pausas, sem impedir que a música continue existindo, as proximidades podem ser intercaladas com os distanciamentos, sem impedir que o vínculo continue existindo. Aliás, para sermos exatamente fiéis ao conceito, precisamos inclusive ressaltar que as coisas funcionam de modo contrário. A pausa não é um elemento estranho, que pode ser tolerado dentro da música, sem que ela se desnaturalize. Na verdade, a pausa é um elemento essencial da música, sem o qual ela não poderia existir.

De acordo com a definição do dicionário, música é a arte de combinar harmonicamente uma sequência de sons de modo agradável ao ouvido. A música, como arte, cumpre o papel de nos encantar, deleitar a nossa alma. Fazendo uma analogia, podemos considerar que amor é a arte de combinar harmonicamente uma sequência de encontros de modo agradável ao coração. O amor, como a arte mais importante da vida, cumpre o papel de nos elevar, aperfeiçoar o nosso espírito.

Pensando nos vínculos existenciais como músicas e cada etapa de vida, em que as pessoas vinculadas se encontram, como notas, a morte cumpre a função de pausa, que não pode ficar de fora da construção dessa maravilhosa melodia do amor. Uma morte em idade avançada equivale a uma pausa curta, enquanto uma morte prematura seria o equivalente a uma pausa longa. E nós sabemos que nas músicas as pausas não possuem sempre a mesma duração. Algumas vezes, a pausa precisa ser maior ou menor que as outras, para se ajustar ao ritmo da melodia à qual pertence. Procuro pensar que a morte do Igor apenas colocou um intervalo dentro da música que representa a nossa união. O último silêncio que se interpôs entre nós não compromete a harmonização da sinfonia que estamos executando juntos, pois ele é apenas uma das muitas pausas que intercalam muitas outras notas que vieram antes e ainda virão depois. 

No dia em que esses tempos de proximidade e distância se transformarem em sons e pausas, e eu puder ouvir com meus sentidos espirituais a música formada pelos encontros e separações que se alternaram dentro do nosso vínculo existencial, perceberei que essa pausa que estamos vivendo agora se encaixa dentro da nossa melodia, sem modificar seu valor. Com a mesma certeza que tenho de que continuarei sempre escrevendo cartas para ele, sei que, quando nos encontrarmos novamente, novas notas soarão e a nossa música vai continuar tocando. No que depender de mim, essa linda canção nos acompanhará por toda a eternidade.

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