terça-feira, 16 de agosto de 2016

PORTA DE ENTRADA

Vejo a gravidez como um túnel por onde se viabiliza a travessia da vida, para que os indivíduos tenham nova chance de continuar se desenvolvendo. Portanto, sinto que nasci para ser mãe, por compreender que essa missão constitui a forma mais genuína de me colocar à disposição do semelhante, transmitindo para ele os bens que já alcancei. Se cada um que alcançar uma virtude consagrar-se a ensinar o caminho dessa conquista aos demais, em algum momento, todos poderão ser proprietários da riqueza universal.

Por causa dos mesmos motivos que me fizeram querer ser mãe, aceito a morte de um filho, já que não considero que ele me pertença. Eu e ele somos partículas divinas, com a única obrigação de praticarmos entre nós o amor e a bondade. Quero ser mãe, não porque desejo alguém para me suprir e atender, mas porque desejo sinceramente servir e ajudar. Filho para mim nunca foi sinônimo de posse. É apenas um ser humano ao qual gostaria de me dedicar, dando-lhe meu carinho, meu tempo, minha atenção, meus cuidados e meus conhecimentos. Então, quando me vi tendo que vivenciar o falecimento do Igor, a recordação desses sublimes ideais foi o amparo que evitou a minha queda.

Se meu útero é apenas uma porta de entrada para este mundo, se ele é apenas um canal para que a vida continue viajando de um lado para o outro, não posso me enganar com a ilusão de que tenho algum controle sobre o fluxo dessa viagem. A vida não está nas minhas mãos, ela está sob o comando das leis da natureza. O máximo que posso fazer é deixar minha porta aberta, ou fechada, para permitir ou impedir que a navegação ocorra através de mim. Quem vai passar por esta porta que abro, ou se a pessoa que passará por ela vem para me fazer uma visita curta ou prolongada, já não é algo que esteja sob o meu domínio. 

Eu sempre soube que seria assim que funcionariam as regras do jogo, e quis assinar o contrato consciente do que estabelecem suas cláusulas. Então, reclamar de quê, quando a natureza simplesmente está exercendo a sua autoridade? Sempre foi ela mesmo que esteve no poder, e eu aceitei me submeter aos seus desígnios com humildade. Constitui uma atitude de sensatez comportar-se com resignação, diante das forças que são superiores à nossa. Da natureza não se pode exigir nada, apenas se deve obedecer e respeitar.

www.facebook.com/quatroletrasflaviacamargo

Nenhum comentário:

Postar um comentário